Agustina Bessa-Luís (1984) Foto: Emanuel Melo
Este ano compartilhamos na celebração dos 95 anos da vida da escritora portuguesa, Agustina Bessa-Luís.
Apesar de já ter lido quase toda a sua vasta obra, não me sinto competente para falar sobre a sua escrita. Aliás, este artigo recente no Observador, outubro 8 de 2017, sobre Agustina, a grande rebelde da literatura portuguesa, é excelente e recomendo-o a qualquer pessoa que queira saber algo mais sobre esta grande escritora.
Digo grande, porque ela nos lega uma vasta literatura importantíssima, como explica o artigo. Fico feliz em saber que, presentemente, estão a sair não só novas edições dos seus romances, mas também obras inédita (para já Deuses de Barro), e que os escritores de hoje estão a apreciar o valor único desta escritora que tem sido a preferida do leitor perspicaz. Gosto de a ler simplesmente pelo prazer das palavras, da maneira como ela descreve um mundo, quer interior ou exterior, e nelas me perco, seduzido pela magia do que ela cria ao manipulá-las.
Tive a grande honra de conhecer a Agustina quando passei duas semanas no Porto em 1984. Estive várias vezes na sua casa, no Golgota, onde tivemos conversas amigáveis, trocámos ideias e partilhámos refeições. Eu tinha 26 anos e ela 62 quando nos encontrámos. Naquele tempo não sabia ainda, por ser tão singela no trato, que estava na presença de uma pessoa tão importante como é a Agustina. Tinha lido A Sibila e Fanny Owen num curso universitário, nada mais. Ela foi muito humilde comigo, tratando-me de igual para igual, respeitou-me como se eu tivesse algo de significativo a dizer, e nunca deu ares de pessoa célebre e importante.
Como queria ir a Fátima para as festas do 13 de outubro naquele ano, foi ela que me arranjou bilhete para o autocarro que, do Porto, me levou na excursão com paragens em Nazaré, Barcelos, Batalha e outras partes. Imaginem a reação do empregado de balcão na agência turística quando me apresentei para pagar o bilhete que estava reservado para mim no nome da Agustina Bessa-Luís.
Quando regressei ao Porto, ela quis saber tudo sobre a minha viagem e perguntou-me se eu era religioso, mas duma maneira que demonstrou a sua curiosidade pela condição humana acima de tudo e não apenas para fazer conversa. Eu compreendi que ela deveras queria saber. Quase que lhe perguntei o mesmo mas não me atrevi a fazer-lhe a pergunta.
Durante o dia descobria as grandes livrarias do Porto e procurava livros da Agustina. Depois, quando regressava a sua casa, mostrava-lhe as minhas compras e ela olhava para as capas dos livros, achando uma graça enorme aos exemplares que eu tinha encontrado, tal como: Conversações com Dmitri e Outras Fantasias, Os Incuráveis, A Bruxa. Mas foram os livros Santo António, Sebastião José que ela, sem cerimónia, tirou das minhas mãos e, sem eu pedir, autografou com a dedicatória: “Para o Emanuel como lembrança da sua passagem pelo Porto”. Meses depois, autografado na véspera de Natal de 1984, mandou-me um exemplar do seu romance daquele ano, Um Bicho da Terra.
Uma noite fui convidado para jantar com ela e o marido, o Dr. Alberto Luís, uma personalidade igualmente brilhante e um homem de grande cultura, que também me recebeu com muita humildade e carinho. Jantámos na sua elegante mas aconchegante sala de jantar. A empregada serviu-nos um prato regional que a Agustina teve o gosto e o grande orgulho de me dar a conhecer: arroz com pé de galinha. Ora eu, que não gosto nada de pé de galinha, não consegui fingir gostar. Comi o arroz e fiquei aliviado quando ela, com gentileza e sem comentar, mandou a empregada retirar o meu prato. Foi muitíssima discreta ao não chamar a atenção para o facto de eu não ter comido o pé de galinha. Nunca me esqueci do seu gesto caridoso, o de não querer humilhar o seu convidado mudando de conversa, para encobrir a falta que senti ter cometido por não conseguir comer o que não gostava!
Foram memórias inesquecíveis que ainda hoje fazem parte das mais sagradas que guardo dentro de mim. Mas nunca mais tive contato com a minha generosa Agustina a não ser através da sua assídua escrita.
Ao longo dos anos sempre procurei os livros da Agustina até chegar ao seu último romance em 2006, A Ronda da Noite. Durante os anos 80 e 90 comprava os que iam sendo publicados numa loja em Toronto que já não existe: A Monja de Lisboa, Adivinhas de Pedro e Inês, Prazer e Glória, Eugénia e Silvina, Vale Abraão, Um cão que sonha, Memórias Laurentinas, O Comum dos Mortais, e outros títulos. Nos últimos dez anos era em Lisboa que achava outros livros, na loja da sua editora Guimarães, depois na Babel, perto do Príncipe Real, e uma vez em Ponta Delgada, nos Açores: Alegria do Mundo. Lembro-me da alegria que senti quando encontrei a trilogia O princípio da Incerteza: Joia de Família, A Alma dos Ricos e Os Espaços em Branco, numa livraria em Vila Real de Santo António, no Algarve.
Estes são alguns dos livros que tenho da Agustina Bessa-Luís. Tenho outros mas ainda me faltam alguns. Os seus livros acompanham-me como amigos silenciosos que, a qualquer momento, retiro da minha estante e releio, encontrando-me com a Agustina nas suas páginas como se fosse naquela visita em que tive a honra de disfrutar da sua presença. Então, quando a leio, a sua voz risonha fala na minha mente e ouço-a como se ainda estivesse sentado a seu lado no Golgota.
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Emanuel, with this text you have made me very curious about reading this author. I wonder, if any of her books have been translated to English… Thanks for letting us know about this great prolific writer. It helps to know she is so unpretentious. Um abraço para ti.
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